Imprensa: Reportagem no JN de 14/10/2006

PASSIVO DO CLUBE AVALIADO EM "VINTE MILHÕES, FORA O RESTO..."

ALMA no "ground zero" salgueirista

Anunciaram-lhe a morte e fizeram-lhe a confissão. Só os credores não lhe concederam absolvição. O Salgueiros, falido, desalojado, hipotecado e humilhado, até pode estar comatoso, mas não aceita que lhe encomendem a alma. O clube de Paranhos contraria os diagnósticos, resiste e luta pela sobrevivência. E é ver centenas de miúdos na enchente renovadora da paixão salgueirista. E é ver o orgulho dos adeptos naquela equipa de iniciados, líder do campeonato distrital, só com vitórias e à frente do Rio Ave, do Leixões, do Boavista, do F. C. Porto... Onde já se vislumbram Sá Pintos, Renatos, Miguéis, Leões, Nélsons e tantos outros Nandinhos.

Se a memória for o cimento da tribo salgueirista, as ruínas do Estádio Vidal Pinheiro ali estão para testemunhar o que foi o palco dos sonhos e de tantas realizações de várias criações de adeptos. O estádio foi abatido, o terreno esventrado pela toupeira mecânica do Metro e o que resta são cacos arqueológicos, como a bancada do topo sul e os esqueletos de duas torres de iluminação. É o "ground zero" salgueirista.

Lá num canto do que foi a casa de Paranhos, subsiste uma herança do luxo de outrora um campo de futebol com piso sintético! É ali que o Salgueiros ainda mantém as equipas de escolinhas (futebol de sete). Todas as outras, dos infantis aos juniores, andam sempre com a casa às costas. O que significa que quase três centenas de jovens craques do Salgueiros treinam e jogam em regime ambulatório e graças à boa vontade de clubes amigos, como o Atlético de Rio Tinto, o Senhora da Hora, o Viso ou o Lusitanos de Santa Cruz do Bispo.

O Centro Cultural e Desportivo dos Trabalhadores da Câmara Municipal do Porto, na Damião de Góis, também ajuda, cedendo as instalações para os treinos das equipas de iniciados e de juvenis. Ali, nos relvados sintéticos da Escola de Futebol Hernâni Gonçalves, o treinador Manuel Leão forma e trabalha a equipa de iniciados do segundo ano, que lidera a Série 1 do campeonato distrital, só com vitórias e com um "score" admirável 41-2 em seis desafios. A última vítima dos pequenos craques salgueiristas foi o Progresso, vencido por 9-1. Amanhã (11 horas), no campo da Senhora da Hora, o adversário da sétima jornada, o Boavista, inspira velhas rivalidades e esguicha adrenalina nos miúdos.

"Vamos ganhar ao Boavita, ao Porto e também ao Rio Ave e vamos ser campeões, que é para os directores verem que somos a melhor equipa que o Salgueiros tem", lê-se num animador "post" do "weblog" da equipa. É verdade, em http//iniciadoscs.blogspot.com, os blogueiros salgueiristas mantêm um cordão digital entre a comunidade, com técnicos, jogadores e adeptos irmanados no espírito.

"A nossa equipa tem de ser um exemplo de camaradagem, de educação, de espírito vencedor. E deve saber dar-se ao respeito, quando ganha e quando perde", observa Manuel Leão. Este ex-director e ex-treinador do Foz chegou ao clube em 2003, no pico da crise, e tem trabalhado sempre nas escolas de formação. Aos 55 anos, o técnico, o "pedagogo", como se define, lembra-se dos bons tempos do "Salgueiral", de que é sócio há 25 anos, e acredita que o clube há-de levantar-se da "marca Salgueiros".

André Toste, ex-F. C. Porto e "capitão", também acha que "o Salgueiros tem futuro" e já se prontifica para jogar pelos seniores, desde que o clube recomece por baixo, nos distritais. Deseja-se, mais do que se prevê, que isso aconteça na próxima época.

Até lá, Toste, de 14 anos, põe o futebol em segundo plano e dá prioridade aos estudos (anda no nono ano). Mas, tal como os colegas, nutre um sonho. O dele é poder imitar o ídolo Deco e jogar pelo Barcelona, em Nou Camp. Cá estamos para ver.

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Almiro Ferreira
JN 14/10/2006